A Tropicália
O Tropicalismo foi um movimento de vanguarda que ocorreu nos anos de 1967 e 1968 responsável por modificar o ambiente musical e cultural popular da época. Seus integrantes formaram um grande grupo, onde contavam com cantores, compositores, cineastas, poetas e artistas. Dentro os que mais se destacaram temos Caetano Veloso e Gil Vicente, Os Mutantes, Gal Costa, Nara Leão entre outros.
A música popular brasileira e a definição de “música de qualidade” no país estavam cada vez mais sob o domínio das posições tradicionais. Foi contra essas tendências que esse grupo baiano se uniu para universalizar a linguagem da MPB, misturando elementos do jazz com o samba, erudito com o popular, belezas típicas do Brasil com o internacional, e instrumentos brasileiros do período colonial com a guitarra elétrica.
Segundo Coelho, o tropicalismo abordava a chamada “realidade brasileira” com formas artísticas consideradas descaracterizadoras da cultura brasileira segundo os tradicionais.
Roupas, visual e mensagem
Pensando nessa junção da moda com a música, comunicando através da performance, da emoção, do visual e do auditivo, os tropicalistas acreditavam que a roupa ajudava a transmitir a mensagem que queriam falar. “Não posso andar nu, então me visto para disfarçar a nudez” (VICENTE apud SANTOS, F.). Houve o consumo da estética hippie, como a adoção dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas, com elementos do nordeste brasileiro, fios elétricos, dentes, miçangas, vinil e/ou aspecto plastificado. Além disso, também teve o uso de referências africanas, suas origens misturadas com a modernidade.
“Quando o poeta de terra em transe decretou a falência da crença nas energias libertadoras do “povo” eu, na plateia, vi, não o fim das possibilidades, mas o anúncio de novas tarefas para mim”
(VELOSO apud BRAGA)
A Tropicália surge com a missão de resgatar o popular, de popularizar a MPB (Música Popular Brasileira), incentivar o desenvolvimento não só da música, mas da cultura em geral. “Transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e à política, mas também à moral e ao comportamento, ao corpo, ao sexo e ao vestuário.” (OLIVEIRA).
“O fato de a Tropicália especificar-se pelo seu movimento de contenção de elementos simbólicos referentes a espaços sociais marginalizados dá voz ás expressões e produções culturais que frente á cultura dominante são consideradas subculturas e essencialmente negadas”
(BERTUCCI)
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Características que tornam o Tropicalismo um movimento de contracultura
O Brasil enfrentava um dos momentos mais difíceis de sua história, a ditadura militar, movimento conservador da moral e bons costumes, onde o poder instaurado era considerado um “produtoras de sexualidades a partir de discursos implícitos que incitariam a valorização de uma masculinidade e feminilidade socialmente legitimada, reforçando ideais heteronormativos, fabricadores da imagem do macho “viril” e da fêmea “delicada”.” (NOLETO, 2014)
Os tropicalistas celebravam o amor, livre de gênero, orientação sexual ou quaisquer outras amarras sociais. Surgiu para desestabilizar o que se conhecia como gênero feminino e masculino. Prova disso é a androgenia proposital entre Caetano Veloso e Gal Costa, ambos com corte de cabelos bem parecidos com uma proposta unissex.
Buscou desconstruir a imagem de “brasileiro padrão” veiculada pelo Estado pondo em prática “a ideia de que o corpo e o desejo também podem ser campos de atuação política”. (GONÇALVES) Fez uso de jogos comportamentais sem confrontos diretos as bases morais, estéticas e políticas do Sistema.
O Tropicalismo, segundo Heloísa Buarque de Hollanda, começou “a pensar a necessidade de revolucionar o corpo e o comportamento, rompendo com o tom grave e a falta de flexibilidade da prática política vigente” (HOLLANDA apud PIMENTEL) e complementamos essa fala com um depoimento de Caetano comprovando essa relação do movimento com a liberdade exigida física e sexualmente pelos jovens da época tão oprimidos pelo Estado:
“Tanto o submundo urbano noturno quanto as trocas clandestinas de sexo, por um lado, e por outro, tanto a homossexualidade enquanto dimensão existencial quanto a bissexualidade na forma de mito andrógino eram temas tropicalistas”
(VELOSO apud NOLETO)
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Relação do movimento tropicalista com o feminino
Apesar do movimento contar com mulheres empoderadas, que expressavam seus sentimentos e tinham performances de palco inusitadas, nenhuma bandeira foi abertamente levantada.
Gal Costa teve seu corpo pensado para criar sua imagem pública dentro da mídia brasileira com uma adaptação do discurso feminista para suas performances cênicas. Com seus figurinos extremamente sensuais, apesar de não se declarar feminista, termo que na época não era permitido usar, uma vez que um mal maior assolava o país, levantou discursos sobre a sexualidade feminina, incentivando a descoberta do seu próprio corpo sem nenhuma intervenção masculina, além de propor um novo ideal de beleza, “um parâmetro nacional de feminilidade e modernidade, mais próximo da realidade das mulheres brasileiras” (NOLETO,2014).
Rita Lee propôs o rompimento do jogo do poder das relações amorosas, defendendo o prazer e o humor feminino através de jogos comportamentais e confrontos de imagens ridicularizando elementos formais, como quando usou o vestido de noiva de Leila Diniz nas apresentações do 3º festival de música brasileira. Nessa ocasião, o uso da vestimenta, além de uma homenagem a Leila, “num show de rock, trazia, claramente, uma desterritorização de cunho político. Sua irreverência não é inocente.” (PIMENTEL) Ridiculariza o símbolo de mulher pura e virgem.
Tropicalismo e a liberdade
Com o país enfrentando uma ditadura militar, a principal causa de militância dos grupos de contracultura era a liberdade, tanto física quanto de expressão. Dentro dessa bandeira, o feminismo foi tomando forma através de mulheres que se expuseram, ousaram e desautorizaram as expectativas de comportamento tidas como ideal feminino e delicado da época. Isso permitiu que, poucos anos depois, em 1975, o movimento pudesse se afirmar dentro do cenário político nacional.
A verdade é que moda e música andam muito juntas, as duas artes são ferramentas poderosas para expressão e manifesto, então é natural que se correlacionem. Uma imagem bem pensada, aliada ao que se prega (aqui no caso, ao que se canta), foi um dos grandes motivos que levou o movimento a ter tanto êxito e a ignorância da censura quanto aos pequenos detalhes de rebeldia permitiu os tropicalistas atingirem a grande massa.
Quais outros movimentos você gostaria de ver essa relação por aqui?
Texto adaptado do meu TCC do curso de moda pela FMU/FIAMFAAM: Moda e movimentos de contracultura, escrito por Thaís Gama e Jessica Nunes.
Que legal, não conhecia essas cosas, o post foi bem explicado. A arte seja qual for sempre é um ótimo meio pata se expressar.
Sim, a arte é sempre um reflexo do momento.
Qual é seu instagram ? tem email ?
Acho o tropicalismo um movimento muito legal! Lutava por muitas coisas importantes numa época em que não se podia lutar e foi muito cruel com muitas pessoas, inclusive muitos artistas. Adorei a relação música e moda!
Eu sempre fico besta em como eles criticavam a censura e o governo e o governo não percebia e deixava passar kkk
Gênios, só isso define essa galera.
THAÍS DO CÉU, que conteúdo impecável! Arrasou!
Eu acho tropicalismo tudo e amo saber que essa galera tava lá, peitando a ditadura e abrindo tantas portas pra gente conseguir ser um cadinho mais livre hoje, apesar de tudo. A arte sempre nos salvando, né?
Amo Rita Lee fazendo show vestidona de noiva, ícone da cultura brasileira DEMAIS!
Muito obrigada!!!
Simm!!! Uma época em quem ninguém podia falar nada, eles deram um jeito de falar muito, com aquilo que eles dominavam, arte.
Rita Lee é ícone, deve ser eternizada!
Texto excelente!
Nossa! Obrigada por relembrar aspectos do Tropicalismo que nem eu lembrava mais. Este tema marcou minha vida acadêmica, pois quando estudei na Inglaterra, uma professora estrangeira era especialista em Tropicalismo e oferecia uma disciplina extracurricular que ficava cheia todos os semestres com alunos de todos os cursos da universidade: Brazilian Music and Poetry. Lembro que ela perguntava muitas coisas para mim durante a aula, já que eu era a única representante brasileira.
Sua abordagem ficou bem detalhada e gostei desta pegada Música & Moda!
Paula, que fantástico saber disso!
A gente acha que ninguém liga para a nossa cultura, é legal saber que somos estudados (será que a NASA já estuda a gente também? hahaha)
E tem tanta coisa bacana para saber sobre a nossa arte né?! Eu acho uma pena ser tão difícil de ter acesso a isso e só ver o povo falando da cultura alheia enquanto a nossa é tão rica.
Muito interessante e linda esse aglomerado da musicalidade com a Moda. A moda sempre será surreal!